a minha história

a minha história

Há dois anos adormecia todas as noites depois de comer uma quantidade absurda de bolinhos de amêndoa, depois do miúdos adormecerem, na escuridão do quarto. Há dois anos percebi que não podia continuar assim. Lembro-me de tudo o que me passou na cabeça naquelas noites. Lembro-me muitas vezes daquilo que me passou pela cabeça naquelas noites. Mudar foi a melhor decisão que tomei. Decidir gostar do meu corpo foi a melhor das mudanças. O peso vai oscilando entre os 57 e os 60kg, Dependo do nível de ansiedade em que ando. Já passo muito tempo sem me pesar porque basta ver-me ao espelho para saber como estou. Já sei equilibrar alimentação saudável e controlada com um gelado, as minhas empadas preferidas ou uma barrigada de sushi. O mais importante: já não sinto culpa quando como de forma exagerada. Fica a minha história.

porque sei que o dia seguinte vai ser melhor. sempre melhor.

 

fica um bocadinho do livro Dieta das Princesas, o diário da minha mudança, a minha história.

Acho que nenhuma adolescente gosta do corpo que tem. É mesmo assim, está nos livros. Eu não fui excepção. Achava-me sempre gorda, apesar de ter 55 quilos para o meu 1,64 metros de altura. Achava que tinha um rabo enorme e ancas larguíssimas. Detestava vestir o 38, enquanto as minhas amigas vestiam o 34. Achava que estava sempre demasiado branca. No Verão, os meus pais não me deixavam estar na praia sem protector solar e eu sempre os culpei por não me possibilitarem um bronzeado decente.

Tinha os joelhos cheios de marcas das quedas que dei em menina, quando ainda acreditava que, correndo muito depressa com um guarda-chuva aberto ou mexendo os braços como se nadasse bruços, podia voar. E achava que todos os rapazes iam reparar na minha palidez, nas minhas marcas, nas minhas ancas e nunca nenhum gostaria de mim.

Hoje, a esta distância, sei que estava magra, que o meu rabo é grande, mas não dá para recordes do Guinness, e que vestir o 38 era uma pequena maravilha. Já aprendi que, por muito sol que apanhe – e fiz verdadeiros testes de bronzeamento na transição irresponsável entre as ordens paternais e a liberdade adulta -, nunca serei morena, e que as marcas dos joelhos são bonitas, têm histórias para contar, mas nem se notam com uns collants cor de pele.

Depois dos 16 anos fui-me deixando engordar. Descobri, em conversa com outras mulheres, que não fui a única a engordar como forma de me proteger dos ciúmes de um namoro adolescente. Mais curioso, ou apenas engraçado, será pensar que esse homem, que é hoje meu amigo, foi a última pessoa que me chamou «gorda», no dia 8 de Setembro. Comecei esta viagem passados dois dias.

Aos 19 anos, quando cheguei aos 65 quilos, sentia-me péssima. Consequências de um amor adolescente e do fim de muitos anos de natação e desporto. A minha ginecologista mandou-me emagrecer e eu assim fiz. O namoro acabou, o meu pai ficou doente, comecei a trabalhar, o meu pai piorou. Não era leve, nem magra, mas aceitei o meu corpo de forma tranquila. O desporto ficou limitado a várias inscrições em ginásios onde nunca fui. Pesei 61 quilos até ao dia em que fiz 24 anos.

O meu pai morreu no dia do meu aniversário. Não se pode escolher o dia em que se morre, nem se pode escolher nunca morrer. Qualquer dia seria péssimo para ficar órfã do meu pai.
(…)

Quando fiquei desempregada, achei que devia aprender a fazer tudo o que não sabia: tocar piano, costurar e cozinhar. Comprei um piano, um objecto lindo e gigante que ainda hoje ocupa metade da minha pequena sala. Uma máquina de costura que, entretanto, vendi, depois de várias bainhas. E comprei várias formas para bolos e os ingredientes necessários.

Não me lembro de me sentir triste, mas sei que me sentia perdida. Hoje sei que estava totalmente perdida. Sei que, em tudo o que queria aprender, estava apenas à procura de alguma coisa que me dissesse que não era a incompetente que me sentia. Cheguei muito rapidamente aos 72 quilos, mas não me importei. Não me importei mesmo.

Lidar de forma orgulhosa com o meu corpo foi, de todas as protecções, a mais importante que aprendi. E continuei a lidar de forma orgulhosa com os meus 72 quilos, o meu enorme rabo e o meu 44 de calças.

Engravidei do Afonso. Numa gravidez muito feliz, mas solteira, sem paixão ou sexo, cheguei aos 90 quilos. E teria chegado mais longe se o Afonso não tivesse nascido às 38 semanas, num momento absolutamente maravilhoso e intenso. A ausência de sexo, ou intimidade, que se manteve após o nascimento do Afonso, é importante nesta história porque encarei o facto com naturalidade, mas hoje sei que o meu corpo estava zangado comigo e esta foi uma forma de vingança. Zangou-se porque me acomodei a um corpo que não era meu.

Voltamos ao dia em que fui apresentar o meu livro à FNAC de Faro. Voltamos às fotos que apaguei, cheia de vergonha. Voltamos ao momento em que me puseram a mão no ombro, no dia 8 de Setembro, e me disseram: «Estás gorda.» Voltamos à verdade: detestava os pares de calças 44 porque quando os vestia não me reconhecia. É esse o verbo mais importante desta viagem: «reconhecer», consequência de «conhecer».

a minha história, retirada do livro Dieta das Princesas.

29 comentários em “a minha história”

  1. Mudou lá/ai dentro!
    É essa a essência de todo o sucesso e amor.
    Ia agradecer-te uma vez mais por tudo, mas troco por um beijo doce com esse mesmo sentido 🙂

  2. Engraçado teres escrito isso… hoje de manhã ao olhar-me ao espelho, lá vieram os monstrinhos que tenho a morar em mim. Dizem-me que fico horrivel nesta roupa, que estou com a cara cada vez mais redonda e que era melhor nem sair de casa. Mas não tenho outro remédio, saio na mesma cabisbaixa e na esperança que ninguém dê conta que vou na rua. Já foi época em que gostava de mostrar a barriga mesmo que ela fosse maior que a que tenho hoje… Já gostei de ir à praia sem problema de tirar a roupa… este ano, só me fiquei pela varanda a apanhar sol e uma ida sorrateira ao rio com os amigos. Agora não consigo. Não sei explicar mas apenas não dá… Sei que podia fazer mais e que se me increvesse num ginásio talvez estes macaquinhos desaparecessem ( ou então não…). A ideia de ir sozinha para o ginásio e sem uma companhia assusta-me…Porque sei que os tais monstrinhos vêm na mesma e vão dizer, que a roupa do ginásio me fica péssima e salienta imenso a celulite que tenho no rabo e nas pernas…

  3. Foste a minha maior inspiração quando, há um ano, decidi mudar de vida. Tenho 1,60m, pesava 67kg quando olhei para umas fotos e estava inchada, enorme, uns braços grandões… não podia ser, estava exausta e a envelhecer a olhos vistos, tinha vergonha na praia, tinha vergonha de mim.

    Nos oito meses seguintes perdi 14kg completamente à custa de uma alteração de hábitos alimentares. Depois recuperei 4kg porque tinha sido demasiadamente drástico, também não gostei. Oscilo agora entre os 54kg e os 57kg, passei de 40 para 38 (36 no tronco) mas também deixei de me pesar, a roupa que continua a servir e o que vejo ao espelho chegam bem.

    Este verão vi-me nas fotos de praia e pensei "isto, é isto!".

    Obrigada, Catarina.

  4. Catarina devorei o teu livro (que pedi ao meu marido para me oferecer para ler nas férias) num dia, o dia antes da viagem de férias. Para mim foi life changing. Passei as férias de forma diferente. Refleti muito e decidi mudar de vez. Não te conheço mas estou te imensamente grata. Por partilhares a tua vida e a tua mudança e os teus sentimentos. By the way. Fiquei tão feliz pelo teu casamento e felicidade como se fosse uma grande amiga minha.

  5. Catarina Parabéns pelo seu post..por ter tanto sentimento e uma mensagem para todas as mulheres..Não desistam de vocês! Somos capazes de muito às vezes nem sabemos a força que temos! As que referem os monstrinhos..ataquem com um par de sapatilhas (caminhadas,corridas e boa música) e uma mudança na alimentação!!

  6. De todos os blogues que vejo, além dos de culinária que são a minha grande paixão, o seu é muito genuíno e gosto tanto de vir ler as suas coisas. Parabéns por ter alcançado a sua meta com tanta dedicação e empenho. Desejo-lhe tudo de bom.

  7. Pingback: a recuperação pós parto [o que ando a fazer?] - dias de uma princesa

  8. Adoro este blog, mas esta é a parte que me “custa” mais a compreender… Por termos tido vivências diferentes…
    Na adolescencia não gostava do meu corpo (como acho que qualquer adolescente) mas o meu problema era outro, e que muitas vezes, a maioria das vezes, era incompreendido… eu era DEMASIADO MAGRA… todas as minhas colegas que eram mais gordinhas e não se aceitavam por isso queriam ser como eu… eu queria ser como elas… Era uma tortura ir comprar roupa (principalmente calças) um 32 era enorme… vesti o 32 até aos 23 anos… a partir daí engordei um bocadito vesti muito tempo calças 34 quando engravidei da 1ª filha vestia um 36, no fim da gravidez fiquei num 38, da gravidez do 2º filho comecei com um 38 e acabei com um 36…
    Não sei como será daqui para a frente (3ªa gravidez), noto o passar dos anos e o mudar do corpo, alguma flacidez que se instala… Se me perguntarem o que prefiro? Claramente ficar assim em comparação a ser o que era há uns anos atrás… prefiro comprar um número maior ou menor e adaptar o conforto, do que não ter opção de escolha… Há coisas que quero melhorar (tentar tratar de alguma da flacidez)…

    Acho que o maior desafio de todas nós é a aceitação… e daí para a frente tentar fazer o que nos fizer sentir melhor, sem excessos e com amor próprio…

    Desculpa o testamento… Mas estar do outro lado também é mau… Não é por ter sido magra que estava bem 🙂

    Beijinhos e continua a partilhar os teus dias! Para quando novo video?

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  10. Obrigada por me inspirar a ser melhor e acreditar que chega uma altura que conseguimos olhar para dentro de nós e acreditar. Bem haja Catarina! Beijinho

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