vendi o carro

Vendi o carro. E depois?

Quando vendi o carro, assim como no final de uma má relação, daquelas em que estamos mesmo saturados, senti um imenso alívio. Estava farta das despesas não previstas, de andar à procura de lugar e de sentir que o gasóleo aumentava sempre que ia abastecer.

Por outro lado, obviamente o mais importante, dei por mim a usar o carro apenas uma vez por semana. Os pequenos trajectos na cidade não faziam sentido de carro. E quando existiam viagens maiores bastava um dos carros (notem que esta decisão só aconteceu depois de viver com o Pedro e existirem dois carros).

Depois do alívio veio o vazio. Foram 20 anos de carta de condução e uns 18 desde que passei a conduzir diariamente. Vivi muito dentro do carro – chorei, comemorei, cantei muito alto, conversei, refugiei-me, apanhei alguns sustos, fiz viagens muito duras, e outras muito boas. Não estava nada afeiçoada ao meu último carro mas não posso dizer o mesmo de alguns dos anteriores. Assumo que sou o tipo de pessoa que acarinha o volante e conversa com o amigo carro.

Dizia-vos que depois do alívio pensei “e agora”? Temos um carro, que o Pedro usa todos os dias, é nosso mas não é a mesma coisa.

Sem carro há dois anos assumo que foi a melhor das decisões. Há uma sensação permanente entre a adolescente e o turista – condições que sempre associei à ausência de transporte próprio.

Continuo a conduzir sempre que necessário (como no sábado para ir fazer a apresentação do livro a Coimbra, inesquecível) . Eu e o Pedro temos as coisas organizadas. Mas não sinto o peso do objecto. O seguro é a meias, os custos são a meias mas já não sinto aquela coisa quase esmagadora de uma despesa que não fazia sentido.

Andar a pé, planear viagens, saber os transportes públicos, ou ter alguém que me conduza, é tranquilizador. Como se fosse um momento em que posso desligar ao contrário da condução que me exigia um constante estado de alerta.

Assim em jeito de balanço, foi um excelente decisão. E conto isto depois de ver uma senhora aos gritos, a dizer asneiras, enquanto conduzia. Sou muito mais tranquila desde que não tenho carro.

Vendi o carro. E depois?

 

Foto: Marta Dreamaker

4 comentários em “Vendi o carro. E depois?”

  1. Muito boa decisão.
    Sem saber nada da sua necessidade de locomoção automóvel, afianço-lhe que foi uma excelente decisão. Primeiro considerando tudo o que desbagado esbanjador consome: combustível, seguros, licenças de circulação, reparações, substituições de componentes, parquímetros, multas injustas, etc etc… é cá um alívio para a carteira deveras notável.
    Há até quem diga que o malvado come connosco à mesa. Nada de mais verdadeiro, substancialmente agravado pelo que se esquecem de referir. Come connosco à mesa mas não se limita ao menu familiar e come pelos amigos, pelos pais, pelos avós, cunhados, compadres, primos tios e tias, e familiares e conhecidos dispersos. Até come por aquela tia que nunca aparece e as pessoas já nem se lembram dela e quando aparece vem sempre com um apetite devorador como se tivesse estado perdida no deserto nos últimos trinta anos a comer escorpiões.
    E nunca se sacia.
    Seguidamente os inefáveis prazeres de quem não conduz e é conduzida. Como de resto, já começa a apreciar.
    Há lá mais indelével prazer do que confortavelmente instalada, encosto reclinado a preceito, música seleccionada e temperatura regulada, deixar-se conduzir em beleza sem as constantes preocupações que o aselha da frente lhe dá e a condução perigosa do gajo à rectaguarda lhe proporciona.
    Sem contar, e isso é deveras importante, os nervos de, ao chegar, procurar estacionamento, manobra para aqui, manobra para ali, acelerar agora que aquele está sair, travar no limite porque aquela espertinha foi mais rápida e roubou-lhe o lugar, enfim.
    Ora tudo isso deixou de ser preocupação. A cara Catarina faz jus ao seu nome de princesa e goza a realeza no doce relaxe de saber-se conduzida, e quem está ao volante que assuma as vicissitudes enervantes que à condução propicia.
    Sobre os gritos da outra senhora, acho que não tem nada a ver. Lá era uma benfiquista ferrenha que ainda não se recompusera do pesadelo do Domingo, e aproveitou a maré favorável.
    :)))

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  3. Por vezes é preciso tomar assim uma decisão!
    Muitos parabéns por esta alteração, andar de transportes públicos pode ser relaxante, principalmente em horas de pouca confusão.
    Beijinhos,

  4. Isabel nogueira

    Adorei o post e identifico me com a ligação que tenho com o meu carrito de quase 19 anos…. quase tb a idade da minha mais velha, tantos momentos passados ao volante seja a 4 a 3 a 2 ou simplesmente só eu, um dos sonhos é a mais velha conduzi lo mas pelos vistos ela não liga a isso e diz me ainda não estar preparada para tirar a carta. Por um lado não a preciono pois tb eu só tirei a carta qd me senti preparada ou qd passei de uma duas e com ela bebé andar de moto não dava jeito nenhum.
    Agora fico é a rezar para que o meu carro quase vintage dure até ela estar preparada para o conduzir, afinal ela cresceu com ele.

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