A Alexandra Neves Silva, 45 anos, fundadora do projeto “Nheko, Vida em Família” tem quatro filhos, repartidos entre crianças pequenas e adolescentes (vários adolescentes): a Rita tem 18 anos, a Alice e a Eva têm 16 e o Raul — o BoNheko — tem 6. Meus caros, isto não é brincadeira para ninguém. Diria que não basta um super poder, são precisos de vários — até porque são três raparigas, futuras mulheres, e quem me lê sabe do meu pânico relativamente a ter meninas.
Ela é tipo acrobata profissional, porque, por cima disto tudo, ainda tem uma ocupação profissional muito exigente, em que trabalha em várias frentes: além do projeto Nheko, trabalha na ligação entre a arte e a educação, escreve, faz produção na área da música, trabalha em programação artística para a infância, é coordenadora da associação 1%.
É a segunda mãe, no conjunto de conversas com grandes mulheres, com quem discuto a maternidade. Falámos sobre a diferença entre os bebés e a fase da puberdade. Sobre a necessidade de atenção constante de quem pisa o mundo há pouco tempo, que contrasta com a necessidade de sabermos dar silêncios confortáveis aos nossos pequenos adultos. Conversámos sobre as certezas, as incertezas e os grandes desafios nisto de ser mãe, nas suas diferentes fases — incluindo a luta com as tecnologias. Falámos sobre a intuição.
Há uma frase que vos mostro já, porque reflete exatamente aquilo que, de uma forma ou de outra, todas sentimos: “Eu fui uma mãe-bebé cheia de certezas e sou uma mãe-adolescente cheia de dúvidas. Eu achava que tinha muito para ensinar e agora penso que tenho quase tudo para aprender.”
A paixão e o cuidado na relação não ficaram fora da conversa. A Alexandra conta-nos como é que vai cuidando do seu jardim, para que não seja atropelado pelos filhos, pelas tarefas, pelas obrigações e pelos super poderes da maternidade.
Uma conversa excelente da fundadora do Nheko (que têm de conhecer), que vale muito a pena ler.
Bebé ou adolescente. O que dá mais trabalho?
São campeonatos muito diferentes, eu gosto muito de ambas as fases. Os bebés dão-nos um trabalho mais exigente a nível físico e de disponibilidade de tempo mas devolvem em dobro ou muito mais, alimentam-nos com a sua presença, o cheiro, o olhar, são amor puro em forma de gente. Já os adolescentes são bem diferentes, não precisam de nós para existir, cultivam a sua independência, querem crescer depressa e voar para longe. Nesta fase o trabalho que nos dão é muito diferente mais igualmente exigente. Precisam que nos preocupemos com eles, com as suas ideias, necessitam de apoio nas suas decisões, de espaço para as suas inquietações.
Se uma criança pequena está sempre disponível para nós, um adolescente necessita de muitos silêncios confortáveis para nos presentear com um bom momento de diálogo e comunicação efectiva. É uma fase sensível para todos, exige gentileza, subtiliza, respeito e abertura. Exige muita verdade. Ambas as fases são de uma riqueza extraordinária, a forma como crescem a olhos vistos. A forma como nos influenciam e estão presentes nas nossas vidas.
Quando somos mães de bebés sentimos quase as mesmas dificuldades que eles, é como se também nascêssemos outra vez e tivéssemos de reaprender tudo de novo. Quando somos mães de adolescentes, há também um género de colagem ao seu comportamento, temos crises existenciais, há dias em que queremos desistir, enfiar a cabeça na areia, entrar numa auto-caravana e deixar tudo para trás… somos mães-adolescentes mas carregamos em nós o peso da responsabilidade de sermos adultas e de sermos mães.
Eu fui uma mãe-bebé cheia de certezas e sou uma mãe-adolescente cheia de dúvidas. Eu achava que tinha muito para ensinar e agora penso que tenho quase tudo para aprender.
Sobre os adolescentes, qual é o maior desafio emocional em ver os miúdos crescerem?
Talvez a constância. A coerência. A aceitação. O respeito efectivo e a verdade. É uma fase dura para ambas as partes, uma altura em que muito do que construímos sozinhos e convictos que era o melhor – os pais – tem de vir a baixo para uma reconstrução comum e participada por todos. Deixar crescer nem sempre é um processo pacifico, muitas vezes queremos agarrar-nos ao passado, a mudança assusta todos.
Vivo numa constante procura de melhorar a minha capacidade de comunicar com os outros, especialmente com a minha família e em particular com as minhas filhas adolescentes. Nesta fase é quando acontecem mais rupturas e problemas no entendimento entre as pessoas, entre os pais e filhos – entre as mães e as filhas Tento ser muito intuitiva e seguir o que o coração dita mas avalio cada decisão, reflicto e reformulo cada passo que dou, questiono-me diariamente se este é o caminho certo e questiono o mundo sobre o que é o caminho certo.
Aqui em casa, a nossa forma de estar e de agir com os nossos filhos é muito semelhante com a forma como nos relacionamos com as outras pessoas, foi neste modelo que encontrámos sentido, tratamos os nossos filhos com respeito, de forma integra, promovendo a responsabilidade e a liberdade. Optámos por este modelo de educação que assenta em alguns princípios que fomos encontrando e com os quais nos identificamos, consideramos a nossa formula a melhor para nós e acreditamos que não há receitas nem verdades absolutas no que respeita à educação dos filhos a não ser mesmo o amor.
Nos nossos dias há muito espaço para cada um poder dizer o que sente, para a discórdia e a discussão, procuramos respeitar a individualidade de cada um e promover a liberdade responsável. Tentamos estar o mais presente possível, seja para ajudar a decidir as partidas como para aguardar os regressos.
Sinto muitas vezes que qualquer uma das minhas filhas já tem grande parte da sua bagagem cheia; ao longo dos anos foi seleccionando o que queria que fizesse parte de si e foi-se também habituando a certas coisas que lhe iam aparecendo na mala de forma alheia à sua própria vontade.
Considero que continuamos a ter um papel importante mas neste momento parece-me fundamental que as ajudemos a dar bom uso ao conteúdo de cada bagagem, a olhar com atenção para o que se tornaram e viver o melhor possível com o que são.
Sinto que a nossa actuação como pais funciona agora como que uma voz guia que sugere e pauta certas situações, alguém que lhes devolve a responsabilidade das suas decisões e que as ajuda na clarificação dos argumentos. Somos orientadores e criamos limites que procuramos que façam sentido a todos, o nosso papel de pais é o de líderes da equipa e como em qualquer trabalho de grupo todos devemos conhecer e concordar com as regras e as metas a atingir para que tudo resulte.
Viver desta forma com três adolescentes é, provavelmente, optar pelo caminho mais acidentado e mais desgastante mas acreditamos que este é também o que nos leva a um sítio mais bonito, esperamos estar a contribuir para a formação de pessoas adultas, responsáveis e livres, sensatas e com a capacidade de fazer as suas próprias opções mesmo sabendo que nem sempre serão as mais acertadas e que o erro faz parte da vida.
Qual o brinquedo preferido do miúdo mais novo?
O telemóvel para jogar. O Bonheko adora jogar a toda a hora: no carro pergunta se temos internet no telemóvel e em casa preocupa-se se o tablet tem bateria. Joga jogos de futebol e de construções da lego. Ele vive com 5 pessoas que têm telemóvel e que o utilizam a toda a hora. Além disso o Bonheko é hoje, em grande parte do tempo, filho único.
O Raúl desde os 4 anos que sabe melhor mexer nestes aparelhos que muitos adultos e gosta, claro que gosta. Eu detesto! Este é um assunto que me tem inquietado muito. Eu reajo, esperneio, mas quando paro para pensar e reflectir sobre o porquê de isto acontecer e acima de tudo a razão porque me incomoda tanto, eu ando para trás no tempo, recuo 10 anos. Quando as manas tinham esta idade não havia a vivência que há hoje destes aparelhos, os telemóveis eram para telefonar e nem hábito de ver televisão havia em nossa casa. Elas eram três e mesmo os jogos que são para uma só pessoa como o solitário ou as paciências de cartas, elas arranjavam forma de fazer em conjunto.
Mudou muita coisa e acima de tudo mudou a nossa própria forma de nos relacionarmos com este objecto, o que eu acho é que o o Bonheko está, como todas as crianças da sua idade a imitar os que o rodeiam. Ele quer pertencer de forma equitativa a esta família que utiliza os seus smartphones em grande parte do tempo útil das suas vidas. É fantástico quando percebemos que eles – os filhos – são tantas vezes como o nosso próprio espelho.
Desde que tive esta consciência mudei um bocado a minha atitude, acalmei nesta minha ansiedade e passei a ter regras, a obrigar-me a deixar o telefone de parte durante a semana entre as 18h e as 21h, a oferecer a minha disponibilidade e real atenção nesse período e de facto consegui influenciar o comportamento do meu filho. Continua a querer jogar imensas vezes mas se lhe aceno com uma “cenoura” – o convido para jogar à bola ou ao dominó, por exemplo, ele aceita de bom grado e esquece o telemóvel. E eu também.
Qual é o maior mito da maternidade?
Não sei. Talvez que não vamos fazer igual às nossas mães… Tenho alguma dificuldade em responder a esta pergunta. Eu sempre fui uma pessoa muito desafiadora e que reajo a verdades feitas, a certezas absolutas, a mitos. Sempre usei o pensamento critico para desconstruir o que me apresentavam como verdade e certo. Fiz o mesmo em relação à maternidade. Criei a minha forma de ser mãe, mas ainda assim oiço muitas vezes a minha mãe nas minhas palavras, vejo-a nos meus gestos automáticos. Hoje vivo isso com maior paz e aceitação, já foi para mim um problema – Não por não concordar com a minha mãe ou não a admirar – apenas por uma questão de irreverência pessoal. A minha vida, as minhas regras. Na maternidade não é totalmente assim, talvez esse para mim seja o maior mito, que somos capazes de fazer totalmente diferente.
Qual é a estratégia mais importante para não deixar a relação ser atropelada pelos filhos?
Acho que a estratégia é algo muito pessoal, ou seja, cada um arranja o seu próprio caminho, o que me parece absolutamente fundamental é ter esse objectivo como uma prioridade absoluta na vida. Diz-se que a relação de um casal é como um jardim que tem de ser regado, ou um primeiro filho que tem de ser cuidado… a pessoa que temos ao nosso lado e com quem decidimos partilhar a vida, ter filhos e ficar até ser velhinhos merece a nossa melhor atenção, o que nem sempre é fácil no meio da vida que vivemos. Cá em casa já passámos por muitas fases diferentes, estamos juntos faz muito tempo o que tem muitas coisas boas mas alguns inconvenientes também, é assim como ter um carro clássico: é lindo, toda a gente admira mas, se não lhe damos muita atenção, a tendência é que comece a dar problemas!
Numa relação longa há uma tendência para nos acomodarmos, para dar tudo como certo e seguro. Numa família com filhos o espaço do casal é constantemente invadido por todos, é também desprezado, desvalorizado e muitas vezes abandonado. Há alturas que deixamos secar o jardim o que depois exige muito mais trabalho, engenho e dedicação. Há muitos que preferem investir num jardim novo com a esperança que esse nunca seque.
Eu tenho muita sorte por ter a meu lado uma pessoa muito paciente, lutadora e concentrada. Cuidamos do nosso jardim com respeito, dedicação mas com excesso de confiança, o que nos leva a encontrar muitos canteiros secos quando olhamos com mais atenção, e aí, de forma mais concreta e efectiva, lá nos obrigamos a encontrar espaço e tempo para nós. Tempo, vontade, atenção, admiração e humor. A receita varia certamente de pessoa para pessoa, mas com estes ingredientes acho que se consegue sempre um bom resultado.
Por último, qual é o seu super poder?
Ter noção de que me deito na cama que faço. Assumir a responsabilidade pela minha felicidade. Uma vez li uma frase que me deu grande poder: Nós somos resultado de 10% do que nos acontece e 90% do que fazemos disso. Poder, liberdade e responsabilidade.
E depois da conversa com a Alexandra e de discutirmos o projeto Nheko, relembremos a Andrea, outra super mulher.
Normalmente todo o prodígio de uma super-mulher, esposa e mãe, advém do reconhecimento de que se não for ela a fazer também ninguém mais faz.
Nos casos mais graves, a super-mulher excede-se em prodígios de super-mulher. É naqueles casos quando todos os outros nada fazem e muito ao invés desfazem.
🙂
Sobre adolescentes(raparigas) é fácil lidar com isso, desde que se saiba quando a adolescência se instalou.
A partir daí é só compreender e aceitar a parvoíce associada, e tá feito.
Ah, e como se sabe?
Mais fácil ainda.
A melhor e mais eficaz certeza de se saber quando um ser feminino passa da meninice para a adolescência, é só observar atentamente o tempo que passa nas suas abluções nocturnas.
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