Todos os anos era a mesma coisa, na noite de 24 para 25 de Dezembro, sonhava que o Pai Natal me dava comida, muita comida, tanta comida que o final desta história, que se repetia todos os anos, não é propriamente bonito. Mas nunca me zanguei com o Pai Natal, nem com todas as coisas maravilhosas que comia. Na verdade, o Pai Natal servia-me o mesmo menu que tinha saboreado nessa manhã, nessa tarde, nessa noite. Era apenas uma forma de prolongar o prazer.
Se me perguntassem o que queria para o Natal a resposta era fácil: esqueçam as prendas, quero as filhoses da minha avó, quero bolo de chocolate do meu avô, quero as fatias douradas da minha tia que sabem melhor no dia 25 ao pequeno almoço.
A vida, as coisas boas da vida, trouxeram-me uma nova família e agora, quando é Natal, posso pedir: esqueçam as prendas, quero a batata doce caramelizada e os bolinhos de batata doce da avó Adriana.
Confesso: não gosto do Natal. Reformulo: não gosto assim muito do Natal. Não gosto das compras, das prendas, daquele momento entre a expectativa, a desilusão e os sorrisos forçados. É raríssimo darem-me prendas de que goste. Na verdade não preciso de nada material e não gosto de acumular objectos. Já me disseram que sou uma pessoa difícil. É mentira, experimentem dar-me comida, assim como o Pai Natal fazia em todos os meus sonhos nas noites de 24 para 25 de Dezembro.
As memórias, as do Natal e as do ano inteiro, fazem-se dos sabores que nos trazem sorrisos, daqueles que nos trazem conforto e mesmo daqueles que nos fazem chorar. Sei que o meu pai cheirava a maças e que a minha melhor amiga de escola cheirava sempre a tangerinas. Os meus filhos cheiram a bolachas, o Gonçalo a bolachas Maria e o Afonso a bolachas de chocolate. A minha mãe cheira a canja com muita hortelã.
Não são apenas as pessoas, sei o sabor das férias : as férias do pão do Rogil com a Rita, as férias das amêijoas e a Li, a viagem das ostras, o fim de semana do doce da Sílvia, e a passagem de ano dos scones ainda quentes.
Apesar da dieta que nos últimos meses pôs fim ao meu lado compulsivo, a comida continua a ser aquilo que constrói as minhas memórias. Neste momento, com o paladar mais limpo e mais disponível, como, ainda mais, apenas pelo prazer. E o Natal, o meu Natal é isso.
E talvez por isso, pelo prazer e pelas memórias, não me importo quando à pergunta: “O que mais gostas na tua mãe”, o meu filho mais velho responde: “As costeletas”. Felizmente não sou eu que preparo a ceia de Natal.
* [tudo é sobre comida e o Natal também,
cónica publicada na revista de Natal do El Corte Ingles]
O meu Natal também cheira a açúcar e canela e a bacalhau com couves. As filhoses da minha avó eram as melhores do mundo e hoje é a minha mãe que as faz e eu hei-de fazê-las para os meus filhos. 🙂 Tudo na vida, especialmente os bons momentos, têm sabor e cheiro de alguma coisa que se entranha em nós. Feliz Natal, Catarina! Amei este texto. Beijinho