24 de Novembro de 1945

Nunca soube a tua idade. Não era importante. Mas ontem fiquei muito quieta, deitada com os olhos fechados, a fazer contas de cabeça para saber quantos anos fazias hoje. Já te dei os parabéns e conversei contigo. Almocei sozinha em casa porque não posso ir ter contigo ao Trem para comermos meia dose de qualquer coisa enquanto me ouvias em disparates e angústias. Fosse o que fosse, acontecesse o que acontecesse bastava tu existires para estar tudo bem. Faço contas para saber que idade tens mas percebo que te guardo com idade nenhuma. Tenho a tua barba e a tua segurança. E tenho um menino sagitário porque os sagitários são o melhor do mundo. Fiz as contas e sei que fazes 63 anos. Pergunto-me se a tua barba já seria branca. Pergunto-me se a tua barba será branca e como será a estrela onde o teu neto pensa que vives. O G. tem muito medo da morte. O teu neto tem muito medo da morte. Eu minto-lhe e prometo que nunca vou morrer. Mas tenho medo porque eu também acreditava que não morrias e não morri quando me deixaste porque já tinha o teu neto a crescer dentro de mim. Queria tanto – mas tanto que nem imaginas – que o G. te ajudasse a apagar 63 velas. Queria tanto – mas tanto – que tivesses sido avô como foste – e és – meu pai.

[escrito em 2008,
publico este post, que agradeço um dia ter escrito, porque hoje não consigo dizer mais nada.]

11 comentários em “24 de Novembro de 1945”

  1. Querida Catarina (hoje deixe-me tratá-la assim), as saudades do seu pai doem mas a presença dele continua viva em si todos os dias, será isto talvez a imortalidade, a presença de alguém que partiu no coração de quem o ama. É um privilégio ser morada de alguém que nos amou muito. Nem todos têm essa sorte, há tanta gente que não tem um pai para guardar, que em vez de saudades sente mágoa pelo abandono de um pai vivo, que em vez de memórias de afecto e segurança sente o frio de um deserto à noite. Um abraço. Hoje está sol, pegue nos seus filhos e comemore a vida do avô para eles saberem dele e o amarem um bocadinho também. 🙂

  2. Não imagina como me revejo nas suas palavras. Na forma como expressa as saudades do seu pai da forma como eu não tenho o dom de em palavras expressar a minha. Não tenho filhos, não sei se os terei mas também me dói saber que o meu pai nunca os conhecerá e eles nunca conhecerão o avó.

  3. É tramado, se é… Mas as saudades que temos deles só nos mostram que vivemos dias enquanto os tivemos por cá. E sabe, acredito que há uma estrelinha só para pais… Onde todos eles se reúnem e olham para nós cá em baixo, para as princesas, e onde comentam, babados e orgulhosos, o nosso dia-a-dia e o quanto nós crescemos graças a eles. Acredito até que entrem em despique sobre quem tem a melhor filha e quem tem o maior orgulho… E sei que eles estão todos juntos a olhar por nós, sei que sim.

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