[bom dia]

sou muito feliz no lugar onde vivo. tenho vista para a vida da cidade e vista para a vida dos meus vizinhos. eu gosto: gosto dos ruídos, dos carros a passar, dos adolescentes que regressam a casa nas madrugadas de sábado, das gargalhadas das crianças quando vão para a escola. não gosto das ambulâncias, por todas as razões, mas principalmente porque passam sempre quando o meu filho pequeno está a dormir a sesta. gosto dos meus vizinhos, mesmo que não os conheça: sei o que vêem na televisão, sei a que horas estudam, e adoro aquele casal que, todos os dias, prepara o jantar em conjunto. sorrimos quando nos cruzamos nas janelas às primeiras pingas de chuva ou nos dias muito quentes de verão. sou muito feliz no lugar onde vivo e acredito que esta casa tem um energia especial. não, não sou dada a coisas destas, mas acredito que há casas felizes e casas tristes. não sei se é a orientação solar, o desenho da planta ou os materiais com que foi construída. eu chamo-lhe energia.

aquilo que falta aqui, mais do que outro quarto, uma cozinha maior, ou janelas na casa de banho, é o Tejo. nasci, fui menina e adolescente numa casa com enormes janelas viradas para o Tejo. o cenário mudava conforme o guindaste da Lisnave se movia. mas o Tejo estava sempre ali: o aço imponente da ponte, os cacilheiros a horas certas, os barquinhos de velas brancas nas manhãs de sábado. e Lisboa, que me pareciam tão distante. serei uma adulta feliz com vista para a vida da cidade mas agradecerei, sempre, ter crescido com vista para o Tejo.

[a esta hora o meu pai estaria, na janela da cozinha, a ver o sol nascer enquanto tomava o pequeno almoço. eu mexia-me, entre os lençóis, desperta pela luz que entrava pela janela do quarto, sempre aberta, e o cheiro do perfume do meu pai que se espalhava pela casa.]

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