Mesmo ao lado da janela da cozinha há uma pomba aninhada aos seus ovos. Eu não gosto de pombas mas esta coisa da maternidade comove-me sempre. Se pudesse escolher sonhava todas as noites que estava grávida a sentir o G. na barriga. Podia intercalar [sim, mãe, tive que ir confirmar se o ‘e’ vinha antes do ‘r’] com o sonho em que consigo voar como se nadasse bruços.
Na vida-real-aquela-em-que-não-preciso-dos-sonhos senti exactamente o mesmo prazer de voar quando na capela-da-Lapa toquei a quatro mãos. Com a professora jugoslava a gritar em servo-croata. E eu, deixei de ter oito anos, deixei de estar zangada com a senhora que descobriu que eu precisava de usar óculos porque ela lê tão bem e anda a trocar as notas.
Na capela-da-Lapa conheci uma menina, não menina como eu mas menina à séria, filha de um americano e de uma dinamarquesa que se conheceram em Paris e vivem em Lisboa. Noutra vida, posso não saber voar sem ser em sonhos, mas quero uma história assim. Cheia de mundo. Porque o meu mundo [concluí enquanto descia da Lapa para a Estrela] são as manifestações e os sindicalistas. Porque enquanto como pasteis de nata na Lapa nunca encontro ninguém e demorei meia hora a atravessar a multidão de reformados e funcionários públicos porque os conhecia quase todos. Afinal a América do meu pai era o norte e a Dinamarca da minha mãe era o sul. Almada podia ser Paris porque vivo em Lisboa. E toquei a quatro mãos.
E escreves a duas mãos, mas não umas mãos quaisquer, pois as tuas têm ligação directa com o coração 🙂