Março acabou. morri e renasci. guardo da chegada desta primavera a certeza daquilo que tenho: família de sangue, família do coração, pessoas que me mimam. guardo deste Março a eterna capacidade de voltar a acreditar. a eterna capacidade de me surpreender. a eterna capacidade de viver tudo como se fosse a primeira vez.
Viver sempre também cansa!
O Sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, quase verde…
Mas nunca tem cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida…
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com o teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
“Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.”
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo…”
José Gomes Ferreira
Olha sempre para a frente.
O passado já não pode ser mudado, nem vivido.
vidademulheraos40.blogspot.com.
Eu adoro José Gomes Ferreira e este poema é um dos mais preferidos, sobretudo quando estou mais em baixo, mais deprimida.
Ou então este, também de JGF:
Devia morrer-se de outra maneira
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes…
(primeiro, os olhos… em seguida, os lábios… depois os cabelos… )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo… tão leve… tão sutil… tão pólen…
como aquela nuvem além (veem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis…
Este é o meu favorito. Obrigada sophie por mo recordares.