Quando morreste cumpri exatamente tudo o que pediste. Entregaste-me a lista das contas onde existia dinheiro, explicaste-me como agir com as companhias de seguros e a conta do hospital. São estranhas e dolorosas as logísticas da morte em que, atordoados pelo luto, somos obrigados a decisões e pagamentos.
Tinha 24 anos e lembro-me dos dias seguintes à tua morte, não pelas lágrimas que chorei, mas pela preocupação que tivesses um funeral discreto – quanto custaria? -, pela ida aos balcões dos bancos para encerrar as tuas contas, pela cara da senhora das Finanças que repetia “tem a certeza que não falta mais nada”, enquanto fazíamos contas aos impostos da morte.
Tinha 24 anos e fui para a sala de espera do hospital em que morreste procurar o médico que não conseguiu salvar-te para assinar o carta da seguradora. Recordo este momento como o instante em que me disseram que tinhas morrido. Já não achei que morria também, mas tive que pensar naquilo que esperavas de mim, muitas vezes, para aguentar. São estranhas e dolorosas as logísticas da morte.
Quando morreste cumpri exactamente o que pediste apenas porque te tinha prometido que o faria. A vontade que tive, muitas vezes, foi deixar o dinheiro onde ele estivesse, até cobrarem custos e custos de manutenção das contas, e não declarar coisa nenhuma ao Estado, até chegarem cartas e cartas com multas, e não tratar de qualquer papelada dos seguros, que ficassem com tudo, já não interessava. Mas aquilo que te devia, no momento em que morreste, era um profundo respeito pela forma como viveste. E eu sei que querias que nada me faltasse, mesmo que me faltasses tu.
Farias hoje 69 anos. Sei que vivo exactamente ao contrário daquilo que viveste, mas exactamente da forma como quererias que eu vivesse: não tenho um emprego certo, mas sou feliz. Aprendi contigo tudo aquilo que sei sobre dinheiro: aprendi a tomar nota de tudo o que gasto, aprendi a não pedir créditos porque não se compra aquilo que não se pode pagar, aprendi a nunca atrasar o pagamento de nada, porque um dia vêm cobrar juros de mora, aprendi a fazer listas de compras com recortes.
Não deixarei aos meus filhos, os netos que não conheceste, certificados de aforro, mas espero deixar-lhes tudo o que aprendi contigo. Obrigada pai.
Catarina : ( Também perdi o meu Pai. Hoje ele teria 52 anos. Faleceu aos 49. Sei o que sentes. É muito triste : ( muita força querida.
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Tudo isso e também pedirem-nos para escolher a roupa ou o tipo de caixão…Um abraço!
Lindo!
Comovente!
Bj
Sem dúvida…
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