O mundo está dividido entre quem tem filhos e quem não tem
filhos, como duas realidades de vida absolutamente distintas sem pontos
comuns.
Por um lado, temos quem vive uma vida de
sacrifício e noites mal dormidas, nódoas na roupa e intelectualidade
limitada ao Ruca e ao Noddy. No outro lado da barricada, temos
existências glamourosas e despreocupadas, estantes cheias de autores que
escrevem com palavras difíceis, noite de cinema francês ou russo.
É
assim: bolsado versus perfume. Mas o Estado, detentor desse poder
supremo a que se chama justiça, resolveu o problema: é necessário
premiar os sofredores que se sujeitaram à maternidade e à paternidade,
para bem do futuro da Segurança Social, e baixar-lhes os impostos. Obviamente,
essas criaturas, que podem ter vidas livres de maus odores e olheiras,
serão penalizadas pela sua sorte com o aumento da carga fiscal.
Eu
tenho filhos, dois filhos. Não recebo abonos, porque o facto de ter
comprado um bem imóvel, que pagarei ao banco até ser velhinha, faz de
mim uma pessoa rica. Mas pagarei menos IRS, porque já cumpri a minha
obrigação face ao Estado Social, mesmo que o facto de ter uma vida
normal, com tempo para ser outras coisas que não mãe, ler livros, sair à
noite ou conversar com adultos, mostrem que não devo estar a
desempenhar corretamente o meu papel.
Percebo, nestes momentos,
como estamos longe do Estado laico que dizem que somos: o objetivo da
nossa existência continua a ser a multiplicação da espécie e devemos
sofrer bastante para merecer o céu. Como se atrevem as pessoas a não ter filhos? Como se atrevem as pessoas que têm filhos a ter uma vida?
Não
acredito que pagar menos impostos seja uma forma de apoiar quem quer
ter uma família numerosa. Porque implica castigar quem não os tem. Não
ter filhos é uma liberdade. Para algumas pessoas ter filhos é mesmo uma
condição que não escolheram. Pior, para algumas pessoas não ter filhos é
uma dor, muito distante desse mundo livre e cor-de-rosa e envolve
muitas noites sem dormir.
Contem-se os elementos de um agregado,
não se contem filhos. E perceba-se que há glamour e normalidade numa
vida com filhos porque isso, sim, contribui para o aumento da
natalidade.
Catarina,
eu tenho duas filhas, tenho casa própria (que também ando e andarei a pagar ao banco), e ainda assim as miúdas têm abono.
Certo que estamos/estávamos os dois desempregados, e isso pode ter pesado na balança. Mas a Catarina, família "monoparental", rendimentos não tão extraordinários quanto isso (deduzo eu), não terá direito a apoio nenhum?
Informe-se na SS, porque para cortarem são rápidos, para atualizarem só a pedido 🙂
Penso que o Objectivo é um "bocadinho" mais pragmático … é que de facto quem tem filhos tem mais despesas, não concordas?
Não se trata nem de premiar quem tem filhos nem penalizar quem não tem.
Concordo com a Cereja 🙂
Não vejo as coisas sob esse ponto de vista. A natalidade é essencial a um país extremamente envelhido, como é Portugal. Incentivar a ter mais filhos é importante, e entre muitas maneiras de o fazer, estão as deduções fiscais. Não me parece que seja uma questão de penalizar quem decide não ter filhos.
Cereja, costuma dizer-se que de boas intenções está o inferno cheio…
Ainda que o objectivo seja pragmático, e cheio de boas intenções (e nas boas intenções do governo português creio que já deixamos todos de acreditar há muito)… a medida falha redondamente o objectivo. O que esta medida faz é criar uma distinção fiscal entre quem tem e que não tem filhos. E isso não faz sentido.
Vamos analisar o seu comentário. A cereja diz que quem tem mais filhos tem mais despesas. Não compreendo porquê. Quem tem mais filhos tem determinado tipo de despesas, que quem não tem filhos obviamente não tem. Mas isso não quer, necessariamente dizer que quem não tem filhos tenha menos despesas. Tem apenas despesas diferentes. Que não são menos legitimas, afinal cada um vive a sua vida como quer e gasta o seu dinheiro onde quer (e apesar daquilo que possa pensar, ter filhos não é uma despesa mais legítima do que outras, é uma opção que todos devem ter direito de fazer, mas não é nem melhor nem pior do que não os ter!)
E depois, digam-me o que tem o imposto sobre o trabalho a ver com os filhos? Eu e o meu colega do lado temos a mesma formação, trabalhamos o mesmo numero de horas por semana, na mesma empresa e ele no fim do mês vai cara casa com mais dinheiro porque tem filhos. Parece-lhe justo?O estado quer incentivar a natalidade que crie medidas de apoio à natalidade. Criar uma distinção no imposto no trabalho não é uma medida de incentivo à natalidade. O abono neste momento é praticamente inexistente em portugal (apenas as famílias numerosas e/ou muito pobres têm direito a ele). O estado tem nos últimos anos deliberadamente vindo a destruir a escola pública de qualidade… and so on! Mas depois engana os pais com estas "des"medidas. Não me venham falar de pragmatismo!
Sim concordo contigo.Parece-me que as medidas ditas excepcionais por conta da reforma do irs que pretendem motivar os portugueses a contribuir para o aumento da natalidade do país, consideram mais os filhos como um encargo, um peso do que uma felicidade, uma benção.
Não me parece que essa filosofia motive alguém a ter filhos ou a ter mais filhos.
Lia
http://opsidascoisas.blogspot.pt/
Eu não tenho filhos mas, sim, concordo que quem tem filhos tem mais despesas e contribui para o rejuvenescimento do país, um dos mais envelhecidos da UE, e por isso, deve ter um regime fiscal mais abonatório, com certeza!