[não discuto sobre dinheiro]

Não discuto sobre dinheiro. É um princípio de vida como outro qualquer: não roubarás, não matarás, não discutirás sobre dinheiro.
O dinheiro é um mal necessário. Por mim vivíamos ainda em regime de troca directa ou noutro qualquer sistema em que houvesse sempre o suficiente para cada um e a riqueza fosse acumulada em bens utilizáveis. Para simplificar, quando uma pessoa morria os bens desapareciam assim como por magia ou, numa visão mais romântica eram transformados num enorme parque infantil cheio de árvores, brinquedos e zona de piqueniques. De uso público acrescente-se. E esta seria uma regra tão natural (e incontestada) como a morte.
Ultrapassa-me que as pessoas discutam por dinheiro ao ponto de se zangarem, ao ponto de se matarem. Ultrapassa-me ainda mais quando essas pessoas são da mesma família e, ainda de luto, disputam o produto da vida de quem já não está cá para dar opinião. Também tenho uma família assim: quando o meu avô morreu, o filho mais velho e a família do filho do meio disputaram os seus bens até nunca mais se falarem. Guardei essa imagem: o meu pai, irmão mais novo, perder um pai e o resto da família viva por uns euros.
Não discutir sobre dinheiro acontece nas coisas mais pequenas: na casa de férias partilhada entre amigos e na conta do restaurante. O ideal (nisto como em quase tudo o que pode originar discussão) é ter regras definidas à partida. No meu grupo de amigos somos adultos, crianças que comem e ocupam espaço de adulto, crianças que já comem mas não ocupam espaço e seres pequenos que ainda não existem nas contas, cada um tem uma proporção de responsabilidade e é assim que as contas são feitas. Sem chatices, nem discussões, nem amuos.
Há outros exemplos: num primeiro encontro: divide-se a conta. Nos outros é à vez, ou paga quem ganha mais, ou quem já recebeu. Não tira o encanto de cada momento se, logo depois do primeiro papel do multibanco sair da máquina, escreverem nas costas brancas como se vai a partir dali. Nos meus tempos de faculdade só fazíamos jantares de turma em restaurantes com preço fixo, independentemente do que fosse consumido. É a mesma ideia: regras definidas.
Se peço dinheiro emprestado a um amigo, devolvo-o assim que posso. Se empresto dinheiro e acho que já passou muito tempo: peço. Assim, com as palavras todas, mas sem discussão.
E para que o meu princípio de vida sirva para alguma coisa depois da minha morte: deixarei escrito que quero gastar o que tiver num parque infantil cheio de árvores, brinquedos e zona de piqueniques. Grande ou minúsculo isso é o que ainda vamos ver. Sem discussão.

1 comentário em “[não discuto sobre dinheiro]”

  1. Eu gostei muito da teoria e no meio do teu texto revi-me em várias situações. Também eu tenho regras em relação a temas sobre os quais não se discute e, além de não incluir o aspecto "dinheiro" nesses temas, subentende-se e geralmente resulta.

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