Em miúda, ainda mais miúda, lembro-me de olhar para as pernas, a uma semana da colónia de férias, e pensar que nenhum rapaz ia gostar de mim assim. Tinhas as pernas cheias de nódoas negras, feriadas e crotas das quedas contanstes nas corridas que fazia quando acreditava que podia voar. Eu acreditava que podia voar. Acreditava mesmo. Achava que se corresse, tomasse balanço e saltasse podia voar com movimentos-de-nadar-bruços.
O meu G. sonha muito. Acorda cheio de saudades das pessoas que não vê há muito tempo. E toma resoluções importantes quando acorda. Ontem ficou de castigo e com a indicação que podia pensar sobre o que tinha feito durante as horas que se seguiam sem televisão, sem computador e com sonhos.
Caía tanto quando era miúda. Ainda caio e fico sempre muito ofendida quando ninguém me ajuda. Mas nunca tão ofendida como quando, nas nossas férias de verão em Vila Nova de Mil Fontes, com mãos e joelhos em carne viva, o meu pai gritava que me batia porque eu tinha caído. O meu pai nunca me bateu, nem sequer um palmada no rabo-de-fraldas. Mas não sabia lidar com a dor da sua menina. Ficava em pânico. Desmaiou no trabalho quando lhe ligaram para avisar que eu tinha partido um braço. Tinha seis anos, acreditava que podia voar, e caí de um muro alto.
Chamou-me quando acordou: “mãe, estive a pensar enquanto dormia, e vou portar-me melhor quando como o jantar.” Abracei-o com muita força entre o amor desmedido e o desespero por serem 6h45m. Eu também penso muito enquanto durmo.
Não sei quando deixei de acreditar que conseguia voar. Ainda sonho que dou um salto, nado bruços e consigo passar por cima dos prédios. Quando, depois do banho, demoro tempo a por creme em todas as marcas e todas as cicatrizes que guardo nas pernas, tenho a certeza que não deixei de acreditar que voava por medo de cair. Não sei com o que sonhei esta noite mas quando acordei percebi que a única coisa que deixei de acreditar na vida foi que podia voar.
[obrigada ao “E Deus Criou a Mulher” pela minha princesa]
Eu também achava que era possível, e treinava quando ninguém me via, no hall grande dos meus pais. Lembro-me de pensar: é tão fácil, tem de ser tão fácil. Porque é que os adultos não compreendem?!
O meu filho M. não acredita. Perguntei-lhe, recebi um redondo não, claro que não.
Eu lembro-me de sonhar muito com isso. Nos meus sonhos bastava abrir os braços e lá ia eu a voar para todo o lado. E dava cada pulo na cama! 🙂
Cristina
Li que voar não era mais que atirar-nos para o chão e conseguir falhar. Falhamos em tantas coisas não há-de ser difícil falhar também esta
O meu filho acredita! já me pregou um susto (ao retardadôr) quando me veio mostrar de onde se tinha atirado (um muro com mais de dois metros) para experimentar voar!
Foi só um arranhão e uma enorme desilusão! O pior, para mim, é que estou convencida que continua a acreditar
Adoro este Blogue. gosto muito de lêr o que escreve, como escreve!
Vou passando por cá…
Conheci agora mesmo o seu blog e adorei a sua escrita, e o modo como coloca as emoçõesmemorias nos textos que escreve. Ganhou um novo visitante diário!Parabens pelo blog.
P.S.-Eu também acreditava e por vezes ainda acredito!