Os amantes combinam num local perdido no meio da cidade. Tão exposto quanto incógnito. Desencontram-se.
Enquanto o carro passa, ela pega no telemóvel.
Naquele parque de estacionamento infinitamente grande o arrumador ajuda-a: Ele foi para aquele lado. (Quantos amantes terá já socorrido nesta fugaz hora de almoço?)
Seguem no mesmo carro enquanto partilham aqueles momentos com a carência de uma intimidade que não existe. Porque ali podem dar a mão. Porque podem tocar-se. Assim como podem sorrir com o sorriso estúpido dos apaixonados.
O trânsito passa suficientemente rápido para que se sinto sozinhos.
É como ter um T0 na marginal. Com quatro rodas. Tem vantagens.
Escolhem o sítio. Suficientemente perto para que o tempo não lhes seja roubado. Mas ao mesmo tempo suficientemente longe para que a identidade não lhes seja reconhecida.
A ementa do almoço é-lhes perfeitamente indiferente. Precisam um do outro. Mas não dispensam o vinho.
Bebem. Bebem-se.
Ele abraça-a e ela ri-se: – Em público? O perigo do gesto é proporcionalmente grande ao prazer que sentem.
O álcool e o desejo impõe que se amem nessa única assoalhada com direito a sofá e aparelhagem.
Beijam-se. Mordem-se. Devoram-se. Deliram de prazer.
Mas o regresso é feito em silêncio. Um silêncio que dói.
O silêncio dos amantes.
As palavras caladas. Porque existem as palavras que não são permitidas aos amantes.
Num jogo onde as regras permitem que se vive. E matam.
Neste tabuleiro em que se anseiam duas únicas peças.
Mas ao mesmo tempo, onde existem outras tantas.
Despedem-se. Sem beijos nem sorrisos.
Porque “Every time we say good bye I die a litle.”
Morrendo a cada despedida. Sufocados pelas palavras que não lhes são permitidas.
Acho que tipicamente os amantes encontram-se na estrada da vida e seguem durante alguns quilómetros. Andam por aí, alguns perdidos, e encontram-se. Contudo, há alguns que se desencontram. Na verdade, deveriam ter-se encontrado antes, mas os caminhos foram outros. Agora desencontram-se. Querem seguir na mesma estrada, mas estão em carros diferentes. Querem parar no mesmo lugar, mas só há espaço para um. E ficam tristes pois este fugaz encontro não os satisfaz. Querem mais, querem a mesma estrada, o mesmo carro e querem-no parar em casa, juntos. São amantes desencontrados com a vida. Até um dia…
Nesse dia deixarão de ser amantes.
Perder-se-à o encanto.
A dor também tem encanto.
“A despedida é tão tão doce, todavia, que eu te direi boa noite até ser dia.” Shakespeare 🙂
A beleza não está em serem amantes. A beleza, o encanto, está nas pessoas, sejam amantes, sejam marido e mulher, sejam amigos, sejam nada… Por isso, há encanto para quem é amante e há encanto para quem é marido ou mulher. Tudo tem encanto, até a dor.
A beleza está neste texto!
É o primeiro texto maior que lhe encontro. Sobretudo daqui em diante «O álcool e o desejo impõem(…)» no tal T0 com ródinhas. «onde se anseiam duas únicas peças [mas] existem outras tantas.»
que raio de presunção a minha!