esta noite o A. teve febre. percebi isso quando – por aquela coisa de instinto de mãe, me levantei depois da meia noite para ir ver se estava tudo bem. 37,8º – “não é febre”, pensei. e pus o despertador para as 3h. 37,9º – “ainda não vou dar nada”. eram quase 4h quando ele apareceu na nossa cama. benuron, um copo de água e muito mimo. ele adormeceu mas eu não. fechei os olhos e estava no consultório da Dr.ª Ângela. consigo sentir o cheiro da sala de espera. sei de cor o rosto da empregada que ocupava a secretária enorme no hall de entrada, acho que até lhe consigo ouvir a voz. estou sentada a ver revistas, fascinada com aquela quantidade de revistas, ao pé da varanda de onde se via a Nuno Álvares Pereira, até ao Cristo Rei. muita febre tinha eu. consigo sentir a pele da minha mãe muito fresca. consigo sentir-lhe os braços encostados à minha cara. lembro-me do consultório, da marquesa, das espátulas para ver a garganta – que trazia em quantidades absurdas para brincar em casa. a farmácia era mesmo à porta. ao lado da papelaria onde poderia comprar “uma prenda” porque estava doente. voltávamos a pé até casa, já de noite, e eu pedia para ir ao Páscoa comprar umas miniaturas que devoraria deitada no sofá da sala enquanto o meu pai me fazia festas na testa. a minha mãe faria língua ou canja com carne comprada no talho mesmo à frente da farmácia Central, ao lado dos frangos assados. eram 5h da manhã e eu conseguia sentir o cheiro da minha febre, o cheiro do meu quarto de miúda. eram 6h e eu ouvia os ruídos do meu pai quando acordava e o raspar da faca com doce no croissant do Central. eram 6h55 e voltei a ser mãe. cheia de saudades de ser filha.

Lindo❤
E quando somos de Almada quase conseguimos entrar para dentro dessa memória e passear nela contigo! Delicioso!
Esta noite foi igual por aqui. Com muito, muito ranho! Melhoras!
erambonecasdepapel.blogspot.pt
Texto bonito!
Oh Catarina,
tão bom ler-te e conhecer de cor todos os sítios, sabores de que falas, por onde passei e ainda passo todos os dias 🙂
beijinho
As saudades são boas, mas tb ao mm tempo más
Mark Margo
http://www.markmargo.net (entretenimento e cinema)
Maravilhoso texto. Obrigada! Pelas memórias que chegaram, pelo sentir das saudades, ainda boas, do meu tempo de criança. Boas Festas.
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