não sei quantas vezes imaginei estar sentada nesta mesa, a esta hora do dia, com esta luz estranha dos dias de chuva. tenho a música muito alta, privilégios dos dias em que existo sem ser mãe. entre a música e o silêncio revivo sensações adolescentes, uma espécie de ansiedade, de coração acelerado por coisa nenhuma, que me fazia correr depressa como se alguém estivesse atrás de mim. parava no elevador com a respiração ofegante e ria-me. agora que escrevo percebo, cientificamente falando, que eram descargas de adrenalina e que consegui aprender a controlá-las. na verdade tenho passado a vida a aprender a controlar aquilo que sinto. algures, não perguntem quando nem porquê, achei que ser adulto e responsável passava pela capacidade de não cedermos a grandes variações de humor. alguma coisa parecida com um porto de abrigo de águas calmas e constantes. tenho passado a vida a aprender a ser isso e a entrar em pânico com qualquer coisa que me transporte para mar alto. quando não existia como mãe, quando tinha tempo e disponibilidade para ficar deitada em lágrimas e posição fetal com a mesma música no repeat por tempo infinito, não tinha medo daquilo que não controlava. se viessem as dores tinha tempo para as curar. tenho passado a vida a aprender a fugir das dores por falta de disponibilidade para cuidar delas. o V. dizia que a culpa é do meu pai que nunca me ensinou a superar a frustração. estou preparada para ser culpada de todos os males da vida dos meus filhos. aos 37 anos também estou preparada para não ter vergonha de ser uma menina mimada. apesar disto de ser uma miúda mimada e ter perdido a capacidade de fazer uma birra a sério, com lágrimas e tudo, seja uma contradição complicada de gerir. em vez disso serei águas calmas, aquelas que prometi ser no dia em soube que era mãe. [bom dia]

🙂
🙂
Sabes? É essa tua calma que anseio. Por agora sinto todas as dores que reprimi do meu pai…mas sei que quando passarem as águas revoltas serei lago de águas calmas.
Devagar. Dando-me todo o tempo 🙂
Lindo de mais este texto.