A perceção que temos do mundo é totalmente condicionada pelos lugares onde nos movemos. Eu sei, é óbvio. Mas nos dias em que o óbvio nos entra pelos olhos dentro, é tudo mais doloroso.
Um grande amigo dizia-me que existem geografias sentimentais, os lugares onde as nossa memórias são condicionadas por tudo o que já vivemos. Hoje, entendo que existem também geografias de realidade.
Tenho
escrito sobre os dias bonitos, sobre o sol que torna Lisboa ainda mais
bonita, sobre as pessoas que enchem as ruas e sobre os os turistas nas
lojas. Tenho escrito sobre pessoas com talento que enchem salas de
espetáculos. Crise, qual crise?
Hoje escrevo na sala de espera de um hospital. Estar sozinha nas geografias onde me movimento permite-me olhar à volta. Muitas
pessoas perguntam-me porque insisto em fazer tudo sozinha, ir de táxi
para a maternidade para ter um filho, fazer as compras com dezenas de
sacos pesados, levar o meu filho mais velho a um filme de crescidos com o
filho pequeno agarrado às pernas, conduzir até às urgências do
hospital.
Eu não gosto de incomodar as outras pessoas, confesso, e são momentos de solidão que me permitem ver tudo com muita atenção.
Esta manhã, enfiada nas urgências do hospital,
por muito que quisesse ter pena de mim mesma, por estar sozinha, seria
impossível. Primeiro, porque a minha solidão é uma escolha e a dos
velhos e velhas cheios de dores não é. Que raio de país este em que os nossos velhos são deixados sozinhos, em situações limite de pobreza, em situações risco, de quedas, de fome, de morte.
Esta
manhã não me apetece falar da cidade cheia de iluminações de Natal, nem
dos carrosséis do Terreiro do Paço, nem das músicas, nem dos navios
cheios de turistas que enchem o rio azul de muitas cores.
Esta
manhã queria poder mimar todas as pessoas que estão sozinhas, todos os
velhos que já deram tudo a este país que lhes dá tão pouco. Esta manhã
nem sequer me interessa que a Segurança Social continue a achar que sou
rica, apenas porque passo recibos verdes, e queria apenas que todas as reformas permitissem aos nossos velhos terem uma vida e não uma dor permanente.
Triste realidade de facto. Estamos a desumanizar-nos.
Um beijinho e um abraço
eu também sou assim. Faço as coisas muitas vezes sozinho para não incomodar os outros. Pior, por vezes incomoda-me ver outras pessoas que passam a vida a pedir favores aos outros, porque acho que incomodam esses outros e não se importam com isso…
Estou tão contigo nesse desejo.
Por andar de transportes públicos vejo tantas histórias dessas nos olhos tristes de tantos velhos sozinhos.
Este blog é tão maravilhoso e a escrita é tão intensa, que até parece que cheira a papel. Ler isto é ler um livro. Dos bons. Dos que nos inspiram. Parabéns.