geografia sentimental…

Esta semana soube que o Serviço de Emprego de Alcântara fechou. O número 17 da Rua José Dias Coelho está guardado na minha geografia sentimental numa estranha junção de angústia, incredibilidade e falta de ar. 
Também me lembro do dia: 29 de Dezembro. Trazia os papéis encostados ao peito, cheia de medo de os perder e uma sensação de vazio imensa. Quando entrei tive a certeza que o meu vazio não caberia naquela sala de espera. Erámos muitos numa cave minúscula, sem janelas. De vez em quando o som do autoclismo de quem teve que ultrapassar o constrangimento de dezenas de olhares inevitáveis na porta da casa de banho contigua às poucas cadeiras da minúscula sala de espera. As várias horas de espera a isso obrigavam.
O atendimento era feito numa sub-cave sem fontes de oxigenação ou luz natural.
Cinco secretárias praticamente encostadas umas às outras tornavam a privacidade de um momento tão duro um conceito tão longínquo como oxigénio presente.
Balbuciei os meus dados pessoais e ouvi todas as instruções da minha liberdade condicional. Não interessa a que anúncios responde, pode ser na China ou para médica, mas têm que ser cinco por mês. E quinze em quize dias na sua Junta de Freguesia. Não pode faltar! Está a ouvir-me? Não pode faltar mesmo. 
Olhava para o dossier que me conferia o meu novo estatuto e tentava abstrair-me mas as cataratas, as pernas, ancas e braços partidos, as alterações de morada, os sonhos e as angústias sem qualquer resposta ecoavam na pequena sala em que dez pessoas conversavam ao mesmo tempo.
Pude aprender o que era um ladrilhador/a, empilhador/a, carregador/a, montador/a e gaspeador/a. Ainda que não tenha conseguido perceber onde é que aquelas profissões todas podiam procurar emprego. Nem eu, nem as simpáticas senhoras que atendiam as senhas cor-de-rosa e verde metodicamente arrumadas numas bandejas brancas por ordem de chegada.
 – E depois querem que eu largue os antidepressivos, desabafava a senhora com quem abandonei o número 17 da Rua José Dias Coelho.
Eu acho que culpa era da sub-cave.

1 comentário em “geografia sentimental…”

Deixar um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *