Em arrumações…

Ele deu-lhe um beijo à pressa e virou-lhe as costas.
Ela conteve as lágrimas e seguiu caminho.
Existia uma porta de embraque.
Uma hora marcada.
Um avião que não espera.
Voltas trocadas a um destino que nunca existiu.
Encostou as mãos geladas à cara.
Maldito cheiro que se entranhava na pele.
Maldito homem que se entranhara na sua vida.
De repente. Sem pedir licença.
E agora sentia que lhe arrancavam as unhas.
Uma a uma. Devagarinho.
Um tortura a que não suportava a dor.

Abriu a porta do carro.
Deixou-se cair no banco.
Na incerteza de quento tempo ali ficaria sem capacidade para pôr o motor a trabalhar.
O do carro. E o da sua vida.
Chorou tudo o que os homens não choram.
Não previra apaixonar-se loucamente por aquela mulher com quem se cruzara.
Algures num qualquer aeroporto. Algures na vida.
Não previra não ser capaz de respirar sem a sua presença.
Não previra desejá-la para sempre sua.
Encontrara-a e perdera-se.
Não sabia viver assim. Não suportava aquela dependência.
Não sabia viver sem as rédeas da sua própria vida.
Podia ter-lhe possuído o corpo. Mil vezes.
Podia ter-lhe dado o prazer deste e daquele mundo. Para sempre.
Mas não aguentava amá-la.
Não daquela forma.

Estava a arrumar a gaveta e encontrei uns racunhos escritos no avião a caminho de Barcelona. Não quis deitar fora.

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