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Escondi a relação com o meu corpo nas respostas tortas a quem me pediu, ao longo deste anos, que cuidasse mais da minha aparência. Nos raros momentos em que isso aconteceu, por força de circunstâncias, e das quais resultaram fotografias, habituei-me a que, depois, me dissessem: «Nem pareces tu.» Odeio a capa do meu primeiro livro por isso mesmo, por todo o desconforto que me causou, porque «não parecia eu».
Gostava de pedir desculpa a quem respondi com muitas pedras na mão quando repeti «eu sou assim», como se isso me protegesse de mim mesma.
Gostava que o meu pai não tivesse morrido para me ter olhado nos olhos e dito: «Anita, estás a ficar gorda.»
Gostava de ter percebido que não ligar ao que visto não tem de significar não ligar ao que está por baixo da roupa.
Gostava de não ter aprendido a rir quando me diziam que tinha o rabo gigante.
Mas gostava é pretérito imperfeito, exactamente isso, imperfeito.
Amar, como diz uma pirosa e deliciosa música de amor, é ver todas as imperfeições, perfeitas.
Nesta viagem, que durará toda a vida, a história de amor que interessa é aquela que vivemos com a única pessoa com que temos mesmo de lidar todos os segundos do dia. Nunca seremos perfeitos. Mesmo que pudéssemos atingir a perfeição, não seríamos capazes de a ver todos os dias da nossa
vida.
Nesta viagem, nesta história de amor, aquilo que interessa é conhecermos o nosso corpo.
Aquilo que interessa, como em todas as histórias de amor, é cuidar. É esse o verbo: cuidar.
E se, na turbulência dos dias, perdermos a capacidade de cuidar do nosso corpo, de saber aquilo de que precisamos, de ter uns segundos para conversarmos com as nossas angústias, então vale a pena parar.
Esta foi uma viagem de reencontro e uma promessa para a vida: cuidar-me.
quando as coisas não correm como gostaria, quando como demasiado e fico zangado, volto ao meu livro e lembro-me que o problema não está num momento mau, está em não conseguir parar, está em não conseguir cuidar. quando as coisas não correm como gostaria. quando tenho demasiadas saudades do meu pai, agradeco-lhe baixinho por ter sido, sempre, a única pessoa que me disse a verdade, sem piadas, nem meias palavras. sei que, nos últimos dias, o meu pai me teria mandado parar de comer de forma tonta. ontem, conversei com o meu pai. e ouvi-o. mesmo que, com a racionalidade que herdei dele, saiba que não ouvi nada.
São palavras que fazem muito sentido para mim: em 6 meses engordei 6 quilos, com muitas desculpas, mas sobretudo porque devia ter parado (e não me permitia fazê-lo). Consegui, também com a ajuda inspiradora deste blog, reflectir, perceber de onde vinha a "fome" e perder o que se acumulava no corpo e na alma. Um abraço! Ana
Como me revejo em tudo isto… estou a tentar racionalizar a comida, a tentar perceber que não é um chocolate que me traz a alegria de algo menos bom, mas apenas uma alegria momentânea que depois se transforma numa tristeza ainda maior.