Todos os dias são dia-de-qualquer-coisa: dia da felicidade, dia dos irmãos, dia do animal de estimação, dos namorados, dos casados, dia do sono e da gargalhada. Esquecerei aqueles que desconhecia até existirem redes sociais que sabem tudo sobre todos os assuntos e restrinjo-me às comemorações de que me lembro desde pequenina. E falo desta relação complicada com os dias especiais.
Eu sou um bocadinho implicativa com dias especiais (um bocadinho grande, verdade seja dita). Tenho a certeza que o sou porque cresci com a mais doce mas amuada das criaturas: o meu pai. O homem de barbas, costas curvadas e duas rugas permanentes na testa, odiava o Natal, detestava o Carnaval, não entendia o dia dos namorados, não simpatizava com o dia em que fazia anos, e fazia um esforço estoico para ir comigo comprar uma prenda para o dia da mãe.
Herdei dele esse lado implicativo. Refilo porque é tudo inventado para vender e acho sempre que nestas datas fica tudo mais caro. Para além disso, não gosto que desconheçam que cada dia especial tem uma história que o justifica. Sou muito chata na missão de explicar a existência de São Valentim, a morte de um grupo de mulheres numa fábrica no dia 8 de março, as lutas sindicais que explicam a escolha do 1 de maio, o feriado religioso que comemorava o dia da mãe ou a história do nascimento de Jesus e a viagem dos três Reis Magos.
Cresci a achar que o meu pai não ligava nenhuma ao 19 de março nem a todas as prendas esforçadamente feitas por mim na escola. Depois da morte dele, quando fui ao local de trabalho buscar as coisas que lhe pertenciam, descobri todos os meus presentes perfeitamente alinhados (como tudo o resto) em cima da secretária. Nesse dia percebi que o meu pai, mais do que implicativo e amuado, protegia-se de tudo o que o comovia. E eu, apesar de ter herdado muito do meu pai – e de querer que os meus filhos sintam em mim o elemento forte, protetor e constante -, não me importo de chorar e de lhes repetir como adoro os presentes que fizeram, mesmo que não se perceba nada. E de dar importância aos dias que eles sentirem como importantes. Sem compras mas com todos os mimos. E com sorte de sorte de partilhar com os pais deles essa forma de estar e de sentir.