poupanças: aquilo que não deixarei aos meus filhos…

Antes de ir para o hospital (na última e derradeira vez em que foi operado), o meu chamou-me ao escritório (se fossemos ricos teria sido à biblioteca) e explicou-me ponto por ponto como deveria agir no caso de ele morrer. Disse-lhe que não queria saber de nada. Ele voltava. De certeza. 

– Anita, eu quero que ouças. Eu posso não voltar. E a tua mãe não tem cabeça para estas coisas. Ouve-me… 

O meu pai não voltou. Tratei de tudo como lhe prometi e deixei de ser a menina do papá. Mas a verdade é que, mesmo depois da sua morte, o meu pai continua a ajudar-me a pagar as contas. As poupanças que o meu pai e a minha mãe construíram ao longo da vida são a minha rede de segurança, o meu balão de oxigénio, o meu apoio em tempos difíceis.
Acredito que se pode ser feliz com pouco (desde que o pouco não seja insuficiente) e acredito, mesmo, que a adaptação das pessoas é enorme. A ginástica orçamental aprende-se, pratica-se e funciona. Mas não sobra nada. Ou sobra muito pouco.

Há cinco anos abri uma conta poupança para o meu filho grande que previa entregas mensais. Não foi possível aguentar esse custo fixo e mantivemos apenas uma conta onde são depositadas todas as prendas em dinheiro. Também temos um porquinho mealheiro, daqueles mesmo à séria, mas com batota por baixo, onde guardamos todos os cêntimos perdidos nos bolsos e alguns trocos que finjo não ter recebido para aumentar a surpresa quando despejamos o conteúdo na mesa da sala e decidimos, em conjunto, o que fazer com aquela “fortuna”.

Aquilo que mais me custa é isso mesmo: não ser possível poupar. Não ser possível construir um património que fique para os meus filhos depois da minha morte. Não poder ser uma segurança para eles mesmo quando já não estiver.

Obviamente, o dinheiro não substitui um pai ou uma mãe que se perde. E o mais importante é aquilo que se ensina, o tempo e o amor que se entregam mas quem tem filhos pensa na sua própria morte. É inevitável. E é inevitável pensar naquilo que não deixarei aos meus filhos assim como o meu pai me deixou.

4 comentários em “poupanças: aquilo que não deixarei aos meus filhos…”

  1. Embora não tenha sido o meu caso, muitos pais recebiam o abono de família e depositavam-no numa conta para que, chegados os filhos à idade adulta, houvesse uma almofada para início de vida. Quantos recebem hoje abono de família? E mesmo que o recebam, será possível não o utilizar como receita em casas com tantas carências?

  2. Mariana B, esse dinheiro dos abonos de família que era poupado, era-o à custa de contribuintes muitos deles com mais necessidades do que quem tinha filhos e poupava para eles. Não digo que concordo que tenha sido retirado; mas é preciso que se veja este outro lado…

  3. Concordo e sei o que isso é. Quantas vezes recorri as poupanças que os meus pais me fizeram. E hoje poupar é tão difícil.
    Mas imbuída desse espirito que me foi transmitido pelos pais estou a começar uma pequena poupança para os rebentos que espero estejam para vir 🙂

    alvaquasetransparente.blogspot.com

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