A professora-jugoslava-da-capela-ocupada-da-Lapa contou-me que o primeiro piano ficou tão feliz com a chegada do segundo que o som tornou-se mais forte, mais melodioso. Melhor. Tornou-se um piano melhor quando curou a solidão de uma capela enorme perdida na rua mais bonita da Lapa. A professora-jugoslava-da-capela-ocupada-da-Lapa perguntou-me se o meu piano [o nosso piano] já se ambientou. Precisam de tempo… O nosso piano gosta das mãos pequeninas do G. que pratica todos os dias uma música que lhe ensinei. Gosto de tocar a quatro mãos. Esta manhã – na capela mais bonita da Lapa onde moram dois pianos apaixonados – toquei a quatro mãos. E senti a alma em que não acredito. E acreditei que os pianos têm alma.
contaram-me uma história estranha. perto das amoreiras há um palácio. esse palácio tem um piano. velho e de fraca qualidade, quarto de cauda ou algo do género.
nesse palácio há soirées, hoje como ontem. para uma dessas soirées foi convidado um pianista, conhecido, português, que foi lá numa tarde, ver como era, como soava, como ia ser. sentou-se e tocou Chopin. uma e outra peça de Chopin. encadeou várias, umas atrás das outras. quem estava ao lado dele chorou copiosamente. essa pessoa disse-me ser dada a coisas intuitivas, mas que nunca as revelava. mas que nessa tarde sentiu a sala a encher-se, atraídas pela música. e o pianista, ao que parece, também se sentiu cheio e acompanhado. daí ter tocado tanto tempo. e tão bem