“Voltou-se e olhou-o como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo. Ele olhava-a com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois acariciaram-se ternamente e, finalmente, disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesma numa tentativa de seccionar aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ela ficou retida, sem poder mover-se do lugar, sentindo o pranto formar-se muito longe no seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o facto de sabê-lo ali ao lado, e dela separado pelos imperativos categóricos das suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dele. Sabia que era aquele o seu homem, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos procurara em cada homem, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ela teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais.
De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde… ”
Vinicus de Moraes
in Poesia completa e prosa: “Para viver um grande amor”