O primeiro impacto é brutal. Não encontro melhor palavra para descrever a sensação de entrar numa porta de metal, encravada num vão de escadas, e ver um corredor muito estreito, aberto para a rua, ao nível de uma cave, com portas alinhadas numa parede de azulejos gastos e frios. É uma arrecadação, demasiado húmida até para ser uma arrecadação. Está sol, felizmente, penso.
É, assim, tremendamente assustada, que dou os primeiros passos. Espreito as camas desarrumadas de adolescente, não cabe ali um rapaz, dormem ali quatro rapazes. Inspiro um cheiro maravilhoso a comida caseira aliviando a angustia que sinto.
No refeitório, sala de estar, espaço de convívio, zona de jogos, que é apenas um espaço muito pequeno, onde chegam a estar mais de 20 pessoas, as mesas estão postas. Num computador, um dos miúdos joga. Tem a idade do meu filho mais velho. Não há sorrisos, só respostas educadas. E eu a querer fugir, fingir que nada disto existe neste mundo em que vivemos.
Sento-me a conversar com a Mariana e com a Francisca, a diretora técnica e a assistente social da Casa dos Rapazes. É difícil encontrar adjetivos para descrever estas mulheres. Não são maternais, nem doces, nada disso. São fortes. Não se queixam do lugar “temporário” onde estão há 7 anos depois do incêndio que destruiu a casa de Alfama . “Há um caminho que estamos a percorrer.” Não falam dos rapazes com pena. Descrevem os desafios e as conquistas. Neste momento a casa acolhe 20 rapazes entre os 10 e os 20 anos. Entre os casos de sucesso e insucesso não existe registo de adoção em rapazes desta idade. O grande objectivo é que seja possível a estes rapazes voltarem para casa.
As histórias são dramáticas, brutalmente dramáticas. Maus tratos, abusos, negligências e abandono. E eu queria fugir dali, fingir que nada existe neste mundo em que vivemos.
Eu sei que aquilo que me levou àquele lugar foi olhar para miúdos da idade do meu filho mais velho e pensar nos privilegiados que somos apesar das (minúsculas) contrariedades da vida. E sei que é muito mais fácil fingir que nada disto existe, está tão longe do nosso dia a dia. Mas depois de entrar naquela porta de metal não é possível fugir.
A pergunta que fiz e repeti foi: como posso ajudar?
Aquilo que partilho é, no plural: como podemos ajudar?
A Casa dos Rapazes precisa de uma casa nova. “Uma casa verdadeira, com quatro paredes: uma sala de estar para todos, uma sala de estudo adequada, quartos que albergam três e quatro rapazes, mas de uma maneira mais confortável, uma casa que tenha condições para treinar a fase de maior autonomia.” No mundo perfeito não existiriam instituições de acolhimentos para crianças e adolescentes, no mundo perfeito não existiriam bairros sociais degradados mas, mesmo neste mundo imperfeito, nenhuma casa cheia de crianças e jovens deveria poder estar num lugar assim. É meio caminho andado para trás em histórias de vida que teimaram em não andar para a frente. Mas estes rapazes ainda têm um futuro. Que depende do presente que lhe possamos dar.
Nem de propósito, e por causa da reportagem da semana passada, esta foi a instituição escolhida na minha declaração de irs. Sei que é pouco, mas aos poucos se vai ajudando.
E que podemos fazer?
Catarina, o que podemos fazer?
Também tenho 2 filhos rapazes (e uma menina), e sou Assistente Social.
Vou conhecendo algumas destas realidades…
Beijinhos