O coração tem sempre razão. Casei, pela primeira vez, aos 37 anos. Perdidamente apaixonada. Sei que quem me vê, ao lado do homem a quem, cheia de orgulho, chamo marido cheia de orgulho, pensa na sorte que tenho. Ainda que exista sempre um fator que não se explica, acreditem que a sorte dá mesmo muito trabalho. Até no amor. E nem sempre foi assim.
Muitas vezes perguntam-me: Alguma vez achaste que nunca ias encontrar alguém? Alguma vez achaste que eras exigente demais? Que a culpa de não aparecer alguém especial era tua?
Claro que pensei, todos os dias.
Quando olhava para outros casais, nos filmes de domingo à tarde, nas noites de silêncio em casa, pensava que não merecia uma história de amor. Talvez não fosse suficiente. Talvez fosse outro qualquer defeito, ou o conjunto de todos eles. Ou, se calhar, a minha história de amor já tinha aparecido, e eu não tinha reparado – culpa minha, outra vez.
Sim, eu também olhei para as histórias de amor dos outros como um lugar de privilégio que nunca seria o meu. Porque talvez fosse exigente demais.
Casei aos 37 anos, perdidamente apaixonada, mas isso não fez de mim uma expert em relações. Essa parte entreguei aos estudos e, ainda que defenda a ausência de certezas absolutas para uma vida saudável, garanto-vos que não existe isso de ser exigente demais. E essa espécie de certeza tem que ser muito praticada.
Tudo o que sentimos, os alertas, os defeitos, a vontade de fugir, o ainda-não-é-aqui-o-meu-lugar, tem uma razão para acontecer. Porque o coração tem sempre razão.
E quando é o outro que sente tudo isso e vai embora, é tempo de agradecer (ainda que possamos chorar baba e ranho nos primeiros momentos). As histórias de amor querem-se vividas na verdade para podermos ser exatamente quem somos e mais alguma coisa. Pode parecer uma frase feita – um mais um tem mesmo que ser igual a um número muito superior a dois ou não compensa.
Não me levem a mal pela dureza das palavras, mas existe no desespero de querer uma relação romântica o lugar perfeito para duvidarmos de quem somos e aceitarmos aquilo que nem queremos ou muito menos do que desejamos. É o tal do “exigir demais”. É o caminho garantido para sermos tendencialmente menos que um e as contas não darem certo.
E se aquilo que queremos não existe? E se a razão para continuarmos sozinhos é porque exigimos demasiado? Se fossemos mais isto? Ou menos aquilo?
Eu cresci com alguma vergonha dos meus gostos musicais. Em palavras adolescentes eram “poucos fixes”. Transportei essa crença para a vida adulta. Conto-vos, sem orgulho, mas com um sorriso, as tantas vezes que mudei a estação de rádio quando o “date” chegava ao carro. Acrescento que uma das primeiras coisas que contei ao homem com quem casei aos 37 anos foi a música que gostava de ouvir (e as telenovelas que adorava ver). Não vemos os mesmos filmes, nem ouvimos a mesma canção, mas podemos dar as mãos enquanto pomos auscultadores, podemos esperar pela chegado do outro e ouvir com interesse a partilha, podemos ouvir a estação de rádio de quem nem gostamos. Está tudo bem.
Porque acharmos que a culpa está naquilo que exigimos acontece na procura (desesperada, sim) de uma história de amor, mas depois também. Escrevam mil vezes: não existe isso de ser exigente demais.
Mesmo quando encontramos a nossa história, o lugar onde queremos ficar, refilemos quando achamos que devemos refilar, reivindiquemos o direito diário a sermos princesas e príncipes, verbalizemos aquilo que não gostamos sem medo de perder o que temos.
Podemos ser gratos pelo que temos sem desistir de querer – que não é muito nem pouco, é exatamente como tem que ser na medida daquilo que somos.
Concordam? O coração tem sempre razão?
Cara Catarina,
Já a sigo há alguns anos, numas alturas mais assiduamente, noutras menos, mas vou sempre passando por cá…
Eu tenho 39 anos, sou casado há 11 anos, e para lá das diferenças em gostos musicais, ou em programas televisivos continuamos juntos…
E enquanto ela vê alguma coisa eu aproveito para ir lendo um livro, ou algo pela internet fora, e oiço a minha musica…
Continuamos cá… Apesar das contrariedades, crises, stresses, filhos e afins…
Afinal de contas o Rui Veloso não está assim tão certo… Podemos amar alguém que não ouve a mesma canção…