Inspiração: “O que os olhos comem, o coração sente.”

Apita o temporizador do forno, o salmão cora na frigideira, Joana Moura cobre-o com amêndoas. Tira os purés coloridos do microondas, volta a colocar a batata doce cortada muito fina no forno para depois a usar como toque final nos cremes feitos de legumes.

O prato é bonito. E não estamos a falar da cerâmica colorida, muito clarinha. Joana parece um pintor: escolhe as cores com cuidado, cria formas, tudo parece pensado ao pormenor. “Puré de legumes, batata doce, abóbora e cenoura. O outro é beterraba e maçã. Os olhos comem muito e então se estivermos a comer coisas que são bonitas é logo diferente. fazer um prato.”

Arquitecta paisagista, 40 anos, percebeu depois de sete anos a trabalhar em ateliêr que não era nada daquilo que queria para a sua vida. “Nunca fui de estar sentada todo o dia em frente ao computador”, conta. Sempre gostou de cozinhar e sempre cozinhou: os pais viajavam muito, ficava muitas vezes em casa da avó – que era professora no liceu – e, por isso, “desenrascava” pratos. “Gostava muito de cozinhar tudo e tudo o que gostasse de comer. Tive sempre uma alimentação muito ligada ao antigamente, paleo sem saber. Com uma grande base de legumes, sempre sazonais, e rica em proteína”, diz Joana Moura.

 

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Por isso, no dia em que sentiu que não podia abdicar mais tempo da parte criativa, começou a cozinhar mais. “Era um escape para a parte artística, passava a vida a fazer workshops”. Resolveu, aos 30 anos, que era tempo de mudar. “Com o dinheiro que tinha juntado como arquitecta por ainda morar em casa dos meus pais, paguei um curso de cozinha na Le Cordon Bleu Paris“. Depois voltou a Portugal. E aquilo que tinha sido uma paragem no trabalho – com folgas e férias acumuladas – tornou-se uma vontade maior. Despediu-se.

“Ficou tudo doido. A minha família dizia-me: ‘mas tens a certeza? tu não estás bem!’. Eu não sabia o que queria fazer mas tinha a certeza de que não queria estar ali. Acho que quando tomamos decisões de vida e quando sabemos que não é ali que queremos estar, há qualquer coisa forte que nos obriga a mudar. Senão ficamos doentes ou… não estamos bem”.

Ao contrário, conta, “quando estamos no percurso certo, as coisas começam a fluir, as portas começam a abrir-se”. Joana Moura acredita que, talvez por isso nessa altura tenha encontrado uma amiga que estava a iniciar projecto de formações. com um grupo de cientistas sobre ciência da cozinha. Decidiu participar. Adorou. “Tinha a possibilidade de estar um ano a aprender, sem trabalhar, e decidi que era aquilo que queria fazer”. Estudou e trabalhou tanto, descobriu tanta coisa que foi, como diz, “uma tese de mestrado sem diploma”. Um ano depois e, terminado o curso, decidiu abrir uma empresa com mais sócias.

“Sempre tive muita consciência do que era comer bem, do que devia ou não comer. Acho que, com a idade e, depois de ter tido filhos, aumentei a minha preocupação, também para eles fazerem em casa uma alimentação mais correta. Até aquilo que lhes dão nas escolas como o certo não é. Se não tiverem uma boa base e não souberem distinguir as coisas depois torna-se mais complicado fazerem as escolhas certas”, avalia Joana Moura.

Com a empresa, a preocupação com a ciência e a cozinha – com a nutrição, explica – cresceu. “Uma pessoa vai percebendo os efeitos das gorduras, dos hidratos: como funcionam, como fazem parte de nós e que influência têm”. Foi então que escreveu o livro, “Cozinha com ciência e arte”, resultado do trabalho desenvolvido durante o mestrado em Ciências Gastronómicas. Escreveu o livro grávida do primeiro filho. “Aconteceram muitas coisas ao mesmo tempo”, conta. Porque, nessa mesma altura, surgiu um convite do chef José Avillez para criar um laboratório no Belcanto. “Estava na dúvida se deixava a empresa, que era o meu bebé, para desaparecer de um momento para o outro”. E então?, perguntamos. “Aceitei”. “Tinha que ser, se eu não aceitasse ia ficar a pensar naquilo. Ganhámos a segunda estrela Michelin para o Belcanto, abrimos o projeto Minibar que acompanhei desde o início, ajudei a montar todo o receituário, fiz os testes para o menu”, diz. Claro. Como se esperássemos outra coisa.

Afastou-se da cozinha e passou para a produção de conteúdos,  quando engravidou do segundo filho. Nesse período ajudou na produção do livro  “Receitas leves” do Chef José Avillez. Mas foi entre o primeiro e o segundo bebé que engordou: 9 quilos, acumulados entre horários sem regra, menus com hidratos rápidos e muito, muito açúcar. “Sentia-me mal, a roupa não me servia, não me sentia eu”, detalha.

Foi nessa altura que encontrou o W30: 30 dias para voltar a estar em contacto com os alimentos bons, desintoxicar o organismo, deixar de comer a toda a hora e voltar aos princípios básicos da alimentação. Sem processados.

 

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Começou a pôr em prática, à boleia do marido, João, apaixonado por corrida e que também embarcou na experiência: ao 11º dia de 30, notava enormes diferenças no corpo, sobretudo na barriga.

“30 dias depois já não se quer voltar ao antigamente. Claro que se a pessoa voltar a consumir açúcar, o vício volta e a vontade também. Vivemos numa sociedade em que somos todos viciados em açúcar. Mas depois do W30, parece que há um bloqueio mental: o que é que eu comia antes?”

Devorou livros sobre o assunto. Bioquímica, o que acontece às hormonas quando deixamos de comer açúcares simples. E não descansou enquanto não contaminou outros corações. “Quando gosto de uma coisa, não descanso enquanto não ponho toda a gente a fazer o mesmo. (…) O que acontece neste detox não é só a desabituação, é a absorção máxima de vitaminas e sais minerais. Sentimos logo uma espécie de auto-cura. Há muita gente que durante estes 30 dias experimenta curas de problemas crónicos”, conta Joana Moura que, depois de ter mudado o que comia deixou de ter enxaquecas.

Agora, enquanto arruma as caixas transparentes no frigorífico recheado de coisas boas, Joana Moura já só pensa no próximo desafio. Fora do laboratório, as ideias crescem à velocidade a que emprata refeições bonitas. “Estou a tentar mudar outra vez o rumo da minha vida. Eu gosto de fazer isso quando os dias começam a ficar muito monótonas, gosto de juntar adrenalina à coisa”.

 

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entrevista: Mariana Barbosa

fotografia: Pau Storch

 

* “inspiração”

Movimento pelo qual se leva o ar aos pulmões;
Ideia ou pensamento que surge de repente; estro.
Insinuação, conselho.
Coisa inspirada.

in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

8 comentários em “Inspiração: “O que os olhos comem, o coração sente.””

  1. Olá Catarina (espero que não se importe que a trate por tu),

    Cada vez admiro mais o seu blog,dá-me força para não desistir todas as manhãs, às 6:00 lá vou treinar, agora falta manter a alimentação, que é tão difícil.

    Muito obrigada por inspirares,por escreveres sobre tudo sem panos quentes.

    Beijinhos e continuação de boas partilhas e ensinamentos 🙂

  2. Cláudia Grincho

    Ter chegado até este Detox através de ti e ter chegado ao grupo e à Joana e a todo o seu saber e encantadora dedicação mudou e vai mudando dia após dia mesmo a minha vida. Que texto bom de ler.
    Beijinho para as duas que tanto me inspiram.

  3. Ana Couceiro Pires

    Uah! Adorei a entrevista Catarina!
    Tenho pena de não ter a Joana na minha vida 😛 Preciso de uma amiga assim que não me largue até eu mudar de vida alimentar ahah

  4. Catarina quando organizar a nova agenda de Workshops para o Porto traga a Joana consigo para um de alimentação paleo ????

  5. Catarina quando organizar a nova agenda de Workshops para o Porto traga a Joana consigo para um de alimentação paleo ????

  6. Ola Catarina,

    Voto num wokshop com a Joana!!! Descobri o grupo w30 com a Catarina e desde inicio de Janeiro que estoua fazer…diferenças??? muitas 🙂

  7. Pingback: revitalizada. agora a parte boa. depois dos lamentos

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